Apesar dessa minha atualidade não noveleira, não tenho a menor vergonha de assumir que eu facilmente me apego às novelas antigas que são transmitidas no Canal Viva. Nessas eu vicio, mesmo! E sou daquelas que não pode perder um capítulo sequer. Já teve novela de 1997/1998 a que eu assisti três vezes: quando passou pela primeira vez, quando reprisou no Vale a Pena Ver de Novo e quando foi exibida no Viva. E, se for transmitida mais três vezes, vou assistir às três de novo, porque não me canso!
Mas um traço é comum em todas essas novelas cuja trama se passa na década de 90 (estou falando da década de 90 por ser a minha época; mas seguramente isso se aplica também às novelas de décadas anteriores): perderiam mais da metade do encanto, da emoção e do suspense caso se desenrolassem nos idos de 2015. E isso se deve ao fato de que seus enredos seriam completamente destruídos pela tecnologia.
Afinal, que tipo de cena era típica nas novelas dos anos 90?
- A cena do casal que era separado pela distância entre São Paulo e Rio de Janeiro, e tinha que sobreviver a essa grande barreira. Gente, distância entre São Paulo e Rio de Janeiro?!? Hoje em dia essa barreira geográfica é tão, tão vencível, que essa história não daria o menor ibope! Em Por Amor (novela de Manoel Carlos, 1997/1998), o casal apaixonado Nando (Eduardo Moscovis) e Milena (Carolina Ferraz) foi separado pela transferência do piloto para São Paulo. Foi um sofrimento que mexeu não só com os pombinhos, mas também com o público, que não queria vê-los distantes um do outro. Ele não tinha celular e o casal chegava a se comunicar por carta! Os encontros – raríssimos – eram super emocionantes, e parecia que eles estavam separados há séculos por um continente! Agora eu pergunto: quem iria comprar esse enredo hoje em dia? Pra separar, de fato, o casal, só se um dos dois fosse enviado para um país bem distante; e, mesmo assim, se não quisessem eles não iriam perder nunca o contato diário: Facebook, Skype e WhatsApp estão aí para mostrar que as barreiras físicas são altamente transponíveis. Quantos casais vocês conhecem que namoram (ou até mesmo mantêm um casamento) a distância? Quantos namoros marcados pelo "Ciência Sem Fronteiras"? Enfim, atualmente, nada mais corriqueiro e comum do que isso.
- O casal apaixonado marca o primeiro encontro. Por algum imprevisto ou por interferência de terceiros, o mocinho não pode comparecer e deixa a mocinha esperando por horas, até que ela se cansa e vai embora, certa de que foi passada para trás: motivo de sobra para o relacionamento – que nem começou – terminar. Essa cena – ou alguma variação dela – é frequente em 99,9% das novelas da década de 90. Gera um super clímax; o público fica extremamente chateado por não poder ver o primeiro beijo daquele casal apaixonado e, ao mesmo tempo, super aflito porque ela vai achar (injustamente) que foi abandonada no primeiro encontro. Hoje em dia, no entanto, esse tipo de acontecimento não geraria a menor comoção: o mocinho não vai conseguir comparecer? Simplesmente telefona ou manda um WhatsApp para avisar. A mocinha vai, no máximo, ficar frustrada. Mas isso não vai representar qualquer razão convincente para o abalo das estruturas do relacionamento. Simples assim.
- Mocinho e mocinha se conhecem e se apaixonam. Ele anota o número do telefone (fixo, óbvio) dela em um guardanapo, mas acaba sendo atingido por uma forte chuva após o encontro. O guardanapo, ensopado, já não é mais do que um monte de papel esfarelado. Nunca mais o casal poderá se encontrar, a não ser que o destino se encarregue de uni-lo novamente. Hoje em dia, não tem mais isso de anotar número de telefone em guardanapo. E o telefone está longe de ser o único meio de contato entre os casais recém-apaixonados. Já no primeiro encontro há troca de WhatsApp, ele pega o usuário dela no Instagram e, logicamente, o nome e o sobrenome cadastrados por ela no Facebook. Falta só pegar RG e CPF. Não tem mistério, não tem suspense, não tem a menor emoção.
Pois é: é fácil que o público se interesse por uma cena que envolva um longo diálogo face to face entre dois personagens. Porém, quem iria querer assistir a uma conversa insossa, fria e virtual via WhatsApp (mesmo que se tratasse de uma conversa entre dois apaixonados)??
Enfim: é claro que a tecnologia veio para facilitar – muito! – a vida humana e as relações sociais (eu, aliás, sou super tecnológica e adoro desfrutar dessas facilidades). Mas é inegável, também, que ela destruiu potenciais enredos de filmes, novelas e romances. Logicamente, se você ler um livro que se passa em épocas passadas, a graça da história se mantém, porque você será transposto para aquele contexto de tecnologia escassa ou ausente. Contudo, não dá para escrever histórias contemporâneas com esses mesmos problemas, clímax e situações.
E daí eu me pergunto: será que esse é um dos fatores que fazem com que as novelas de hoje, ao menos para mim, tenham perdido tanto a graça? Será que a tecnologia roubou o encanto dos encontros (e aqui não me refiro apenas às novelas, mas também aos encontros reais), por tê-los tornado tão fáceis? Será que estamos prestando um desserviço às nossas interações sociais ao priorizarmos as conversas online em detrimento do olho no olho? E, por fim: será esse um caminho sem volta, ou é possível voltar atrás e diminuir um pouco a influência da tecnologia em nossas relações interpessoais?
São questões a se pensar...