Fui me matricular na academia, mesmo, apenas dois anos após ter me formado. E por que me matriculei? Porque estava insatisfeita com o meu corpo? Não, apesar de saber que ele não é o corpo mais lindo do mundo. Porque sempre invejei as musas fit que passam horas na academia? Não; nunca fui de dar ibope para esse tipo de celebridade fitness. Porque queria incluir uma atividade diferente na minha rotina? Não; minha rotina já é suficientemente cheia de atividades. Porque estava me sentindo sem condicionamento físico? Não; apesar de sedentária, nunca me senti cansada nem sem condicionamento; pelo contrário, sempre fui bem espertinha para caminhadas rápidas. Em verdade, a única motivação que me levou a me matricular em uma academia foi o peso de um dever quase moral que me aturdia e me incomodava a cada dia: o dever de malhar para ter um corpo saudável, para manter o condicionamento físico, para retardar o aparecimento das varizes, para regular a frequência cardíaca, enfim: para evitar doenças e uma morte precoce.
O não cumprimento desse dever durante anos e anos fez com que eu me sentisse quase uma pessoa politicamente incorreta. Afinal, eu não tinha motivos para não malhar (a não ser a minha preguiça e a minha total falta de entusiasmo com a academia). "Mas todas as jovens de 20 e poucos anos malham"; "tanta gente posta orgulhosamente suas fotos com roupas de ginástica no Instagram"; "todo mundo sabe que o sedentarismo é a principal causa do aumento da incidência de várias doenças"... Enfim: "Aline, por que você, uma moça jovem, inteligente, bonita e independente até hoje não se inscreveu numa academia???" A pergunta era feita com perplexidade. E é claro que isso me deixava com a consciência pesadíssima.
Tão pesada que eu tenho certeza de que, quando eu fui fazer minha primeira avaliação física, em janeiro desse ano, eu seria considerada a pessoa mais gorda da academia – caso os quilos da consciência também fossem computados. Sim, eu cheguei lá com os meus 45 kg distribuídos em 1,60m. Mas, se fossem incluir na balança o peso da minha consciência, inegavelmente a minha obesidade mórbida seria constatada.
Daí que eu estou caminhando para completar 1 ano de malhação regular, com acompanhamento por personal duas vezes por semana. Sou uma aluna super disciplinada e dedicada; só falto se eu estiver ausente da cidade ou por motivo de força maior. E aí surge a pergunta: de onde vem essa minha disciplina? Teria eu aprendido, ao longo desses meses, a apreciar a musculação? Não; na verdade, acho bem chatinhos aqueles movimentos repetitivos. Seria porque, ao final de cada treino, eu sinto um bem estar indescritível? Não, eu não sinto nada disso. Seria por causa dos braços mais torneados que conquistei? Não, apesar de eu considerar este um grande benefício. Seria porque eu "tô pagando", e isso faz com que eu me sinta na obrigação de não faltar às aulas? Não; nem isso me motiva a não faltar! Na verdade, eu só vou à academia religiosamente às terças e quintas por causa de uma única razão determinante: o dever moral (e quase religioso; daí o "religiosamente" ali de cima...) de não dar bolo em meu personal. Sim; é um dever moral: eu tenho um compromisso com ele, eu sei que ele acorda cedo para treinar seus alunos, sei que é muita falta de educação não cumprir compromissos e deixar os outros esperando. Por isso estou lá na academia toda semana, no horário agendado. E exatamente por isso, também, eu não funcionaria se não fosse na base do personal.
E aí eu começo a divagar: será que essa motivação moral – tão desviada da finalidade fisiológica a que se atrela a atividade física – faz com que meu esforço valha menos? Ou será que, em verdade, ele vale mais? Afinal, enquanto muitos estão ali na academia por prazer ou por terem objetivos bem definidos, eu estou achando tudo aquilo chato demais, mas sei que devo ali estar, por conta de uma obrigação moral.
O que tudo isso me revela? Ora, que uma pessoa que vai à academia por um dever moral não tem absolutamente a menor vocação para isso! Falta-me o dom da malhação. Eu queria que meus muques fossem conquistados enquanto eu cozinho risoto, e não enquanto eu levanto halteres. Queria que a firmeza das minhas coxas fosse adquirida durante minhas caminhadas diárias para o trabalho. Queria que a elasticidade dos meus braços fosse resultado dos inúmeros abraços que dou em meu noivo.
É... Logo se vê: eu, definitivamente, não tenho vocação para a malhação. Mas, pelo menos, se me falta vocação, a moral... ah, essa não me falta meeesmo!